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Coração

O coração não parte, o coração só rasga. Só não sei se rasga por não saber partir Ou pelo jeito de quem lhe pega. Mas o que rasga só se conserta cosendo, E o que se cose pela segunda vez nunca fica igual à costura inicial. A bainha fica mais curta num lado e comprida do outro, Porque a mão humana não sabe desenhar sem sair fora das linhas. Então há sempre parte do coração que fica escondida por entre as costuras, Parte do coração que um dia esteve vivo e irrigado E que agora é apenas um pedaço de pano morto, Pano perdido e inútil, Puramente a ocupar espaço que não se vê. Um pano por ressuscitar, Se alguém um dia procurar o que entre os fios está oculto, Se alguém um dia, Com o cuidado limitado da mão humana, Levantar pedaço a pedaço À procura do que encaixava inicialmente e entretanto se remoldou. Se alguém encontrar algum sentido Por entre as fibras que um dia se inquietaram E que agora estão negras, sem vida.  Mas, voltando, o que dizem as fibras? Não voltam assim. Voltam desconc...

Ouve

"Summer 78" - Yann Tiersen Ouve. Consegues ouvir? O piano. Ouve com atenção. Ignora o ruído. Consegues? Bem lá no fundo...? Esse mesmo. Amplifica-o até ocupar todos os cantos da tua mente, todas as curvas da tua alma. Inspira-o até encheres os pulmões e o teres no sangue. Esta música... não a conheces, mas sabes que está uma rapariga a dançá-la. Consegues vê-la delicadamente a estender os braços com a nostalgia de quem vai partir, a tentar alcançar o invisível e a voltar a cair, como uma pena, no chão cor de madeira. Uma despedida dançada. Há também alguém a chorar no chão de um quarto, a olhar o vazio e a deixar as lágrimas fluírem. Alguém que sente dor em cada nota, cada compasso. Ouve bem. De certeza que consegues ver um velho a ir buscar o correio e a sentar-se com uma carta na mão, imóvel, no cadeirão da sala. Estão dois enamorados a correr contra o tempo com a pressa de se apaixonarem, com medo que a janela feche, que se tenham esquecido. Vão encontrar-se na esquina, ma...

Hoje vou morrer

Hoje vou morrer. Pelo menos era o que dizia a carta violeta, há uma semana atrás, assinada por ela, que ia morrer dali passados oito dias (se bem que isso significaria que morreria amanhã, mas tenho aprendido que a morte não tem boas relações com a Matemática). Na realidade, talvez até já tenha morrido, durante o sono, de madrugada, e esteja já a experienciar o que quer que seja que há depois de morrer. Ou então estou a desperdiçar o meu último dia a pensar sobre isso. Como será que vou morrer? Se ficar em casa, será que simplesmente bato com a cabeça ou dá-me um enfarte? Se sair, tropeço nas escadas, passa-me um carro por cima, ou sou apanhado de surpresa no meio de um tiroteio clandestino numa rua duvidosa? Talvez morra em frente ao meu querido caderno, no meu querido café, a meio de uma frase importante, para que depois leiam (quando morrer, o que escrevi vai ser muito mais interessante) e fiquem com a frustração de pensar o que seria que eu ia escrever, quais seriam as minhas ...