Bem vindo às minhas últimas palavras para ti

Não, não vim aqui fazer-te mudar de ideias. Mas, se por acaso acontecer, desculpa... não era a minha intenção.
Peguei hoje nesta caneta e papel porque não apareceste na escola e sei que não estás doente. E não me venhas com a desculpa do despertador, porque eu ouvi-te a desligá-lo. Não sou cega, sei o que se passa. Todos sabem, mas alguns ignoram. Por isso repito, não vim aqui mudar a decisão que já há muito tomaste. 
Pelo contrário, hoje quero só despedir-me. Não gosto de despedidas, mas acho que ninguém gosta particularmente delas. Mas, se vais partir, então prefiro deixar-te umas últimas palavras, já que provavelmente não farás o mesmo. Provavelmente as últimas palavras com que ficarei serão o "até amanhã" falacioso que me dirigiste ontem. 
Sabes o quanto significas para mim, porque sempre insisti em dizer-to. E eu sei que isso não altera o teu estado apático porque amor não cura trauma. 
Eras sempre o sorridente, até que deixaste de o ser. E se ir embora te tranquilizar, então vai e nem olhes para trás. Pode ser que um dia te encontre e te veja sorrir novamente.
Por mais estranho que pareça, não te vou acusar de seres egoísta, nem isso me passaria pela cabeça. Que direito tenho eu de querer ter a tua companhia, se tu próprio não suportas a tua existência? Aí, seria eu a egoísta. Não posso dizer que compreendo, porque só tu sabes o que foi, o que é, e o que poderia ter sido mas não será. Mas posso dizer com firmeza que, embora o teu corpo continue aqui, tu já cá não estás...
Sinto a tua falta e não sei se voltas. Agora que escrevo, percebo que a partida do teu corpo implica a recusa eterna do teu retorno. Não minto, vai-me custar não te ter aqui porque sempre acreditei que voltarias são e ileso e que tudo ficaria normal de novo... mas a verdade é que o que tu eras desapareceu na cruel madrugada daquele sábado e, por isso, eu conformo-me, porque sempre quis apenas o teu bem... e se isso significa o fim, que seja. E quem seria eu para pedir a tua inexistência material, em vez de a aceitar imaterialmente?
Poderia agora recordar todo o tempo que passámos juntos, mas tu sabes de tudo isso e sei que não despertará emoções, porque essas já se desligaram. No máximo, esta carta faz cair uma lágrima apática tua, embora tenha recolhido um oceano de choro sofrido meu.
Espero, com todas as minhas forças, que encontres o que procuras e que voltes a reunir-te contigo próprio, onde quer que seja. Gostava também que te lembrasses de mim e me desculpasses por não ter sido suficiente para te curar... a culpa não é, de todo, minha, mas permite-me algum egoísmo: quem me dera ser suficiente...
Estas são as minhas últimas palavras para ti. Tu, que eu não vejo há meses, mas que vejo todos os dias. Tu, que vais voltar assim que partires. Tu, que agora te sentes perdido, mas que decidiste encontrar-te desta forma. Mas isto não é o fim, porque tu morreste muito antes dessa lâmina que agora seguras começar a cortar a anestesia em que existes. Isto é o teu início, eu sei. Também estou a tentar acreditar nisso.

Obrigada pelo que me deste e pela coragem.
Até sempre.

Comentários

  1. A beleza do que escreves é perceber até que ponto toca a tua ficção ou a tua realidade. O que és tu… o que inventas ser e sentir.

    Não sei quem é o “Bem vindo” que te deixou esse vazio na alma. Claramente alguém que entrou em ti, que viveu em ti e que simplesmente não quis mais.
    Quando acontece…. deixa ir…. Tal como estás a deixar.

    “vai-me custar não te ter aqui porque sempre acreditei que voltarias são e ileso e que tudo ficaria normal de novo...” - dizes.

    Não volta. As pessoas mudam, a vida muda. Tudo segue novo rumo. Nada é como antes. Apenas pode ser diferente. Pode até ser melhor, mas nunca igual.

    Em qualquer relação, têm que haver três sujeitos: Eu, Tu. Nós.
    Cada um com o seu tempo, o seu espaço. Juntos e separados por aquilo que cada um é.
    Se o Nós não faz mais sentido,não vale a pena insistir… ficas Tu.
    Tu, a seguir depressa na tua carruagem que não para nunca. Velocidade vertiginosa sem que consigas vislumbrar os rostos e vidas à tua volta. Dás por ti numa espiral de acontecimentos demasiado apressados para os sentires…. Deixa-te ir… voltarás à tona.

    Aceitar a partida de alguém é algo doloroso. Mas aceitar a dor faz parte de nós. Temos que a aceitar! Viver com ela. Também ela vai passar… às vezes depressa demais. Outras não. E deixa uma tatuagem na tua existência. Guarda tudo isso… vai ajudar-te no teu caminho e, mesmo que te arrependas de decisões que tomaste, tem a coragem para as tomar de novo se for preciso.

    Falas da coragem desse alguém que habita o que escreves. Talvez ele saiba mais de si do que diz ou mostra. Respeita também quem não te quer por perto. Isso é difícil de fazer. Afinal… todos queremos que gostem de nós.
    Mas não é assim, pois não?

    Despede-te, sabendo que podes voltar à memória do que foi… do que podia ter sido. Ou simplesmente esquece e procura não voltar nunca a uma marca que te dói.
    Tens o direito de fazer o que tu quiseres!

    Realidade ou ficção, esta é uma carta de despedida. De angústia. De uma tristeza que gostaria não fosse tua, nem por um segundo.

    Espero que o personagem a quem se destina a leia e admire a tua coragem. Talvez um dia também possa voltar a uma memória do que foi… do que podia ter sido.
    Ele que faça boa viajem!

    Até amanhã…. ou até sempre!

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