Corredores infinitos

Corredores infinitos e sem saída.
Sinto que caminho há anos, mas ainda não cheguei a lado nenhum... Em frente, por explorar, para trás, explorado. Não encontro a saída e não sei como a procurar.
Estou sozinha. Não me lembro se sempre assim estive, ou se afastei todos os outros. Será que eles conseguiram sair e me deixaram aqui?
Luz. Tanta luz e tão branca que me magoa os olhos. É tudo tão frio e vazio que me faz sentir louca. Sê-lo-ei? ... Provavelmente. Será que se o reconhecer, continuo a sê-lo?
Silêncio. Só ouço os meus próprios passos e o roçar do tecido da camisola. Se me concentrar, ouço o movimento dos ponteiros do relógio... embora não saiba de onde vem o som.
Simetria. Está tudo tão limpo e demasiadamente direito... não sei porquê, mas incomoda-me. Faz-me querer pegar em marcadores e riscar palavras nas paredes, só para quebrar a monotonia deste lugar.
Por um momento, parece que me lembro de alguma coisa que me faz sorrir. Vejo-a ao fundo do corredor, a sorrir, indiferente ao que a rodeia. Sorrio também e sinto o meu coração preencher. Quando estou a chegar perto o suficiente para lhe tocar, desaparece subitamente. Dou por mim a olhar à minha volta, para ver onde foi, mas estou sozinha de novo. Continuo a caminhar e já nem sou eu que me impulsiono para a frente.
Surge uma porta à minha direita, de onde consigo ver uma criança a cantar e uma mãe a aplaudir. Durante um segundo, pareço lembrar-me... mas o sentimento rapidamente se desvanece e dá lugar ao vazio habitual.
Atrás de mim, ouço passos. O meu coração começa a acelerar e paro, sem pensar. Ao fundo, vejo alguém a vir na minha direção. Corro. Corro sem parar, mas não saio do mesmo sítio. Está cada vez mais perto e não há nada que eu possa fazer. Fecho os olhos com força e desejo que tudo acabe, no último momento antes do embate.
Quando os abro, já só há um novo elemento além de mim mesma: sangue. O vermelho alastra-se pelo chão e parece formular uma palavra.
Lembra-te.
Sinto que devia saber o que isto significa, mas não sei. Decido que é melhor afastar-me, pelo que piso o sangue e continuo em frente.
*
Passado algum tempo, o cansaço continua sem se fazer sentir. Estou a andar há quanto tempo? Não sei, mas não gosto deste sítio. É tudo demasiado branco e direito. Não ouço nada além de mim.
Piso alguma coisa, sem querer. É uma fotografia de uma mãe e de uma filha, presumo eu. A senhora está com um sorriso inexplicável. É bonito e contagiante. No verso, está uma palavra.
Lembra-te.
Faço um esforço até me doer a cabeça. Não me ocorre absolutamente nada e sinto a frustração tomar conta de mim. Amachuco a fotografia e atiro-a com toda a força que tenho, mas ela limita-se a voltar a parar aos meus pés. Não percebo.
*
Não entendo isto. Onde estou? Porque é que estou descalça e visto roupas de hospital? Que me lembre, não tenho sítio nenhum para onde ir. Ainda assim, tenho ideia de que vim de algum lugar. 
Noto que tenho alguma coisa rabiscada na minha mão. Será que a letra é minha? Procuro uma caneta e escrevo o mesmo ao lado.
Lembra-te.
Estranho. Quando é que escrevi isto? Claramente que a caligrafia é a mesma... porque haveria eu de querer lembrar-me? E do quê?
*
Um pé, outro pé. Luz branca. Silêncio. Simetria. Vazio.
Ouço uma voz e um riso de uma criança. É-me familiar. Sinto uma felicidade transcendente e lágrimas a cair, involuntariamente. Agarro-me à memória com toda a força e fecho os olhos para a ver mais claramente. Naquele momento, sinto tudo. 
Quando abro os olhos, ela está a correr na minha direção. Enquanto corre, vai crescendo e eu vou minguando. Como é que o tempo passa tão depressa? Corro para ela o mais rápido que consigo, que não é muito.
Abraço a criança entretanto adulta e tudo em mim desaba quando ela diz uma única palavra.
"Lembraste-te."
*
Subitamente, sinto-me perdida. Como vim aqui parar? Só vejo corredores infinitos e sem saída... por isso decido simplesmente caminhar até alguma coisa mudar. 
Encontro um vidro e nele vejo uma senhora de idade, com cabelos brancos e rugas. Mexe-se exatamente ao mesmo tempo que eu, o que é um pouco sinistro. Quando lhe pergunto o nome, apenas me imita e nada faz. Sempre que olho para ela, olha-me de volta.
No bolso, encontro um papel, onde leio duas palavras.
Amo-te, mãe.
Há um vazio em mim que me completa. Não sei quem escreveu isto, nem sei para quem é dirigido, mas deve ter feito alguém feliz. Guardo o papel e continuo a andar. 
Talvez me lembre de quem sou.


***

Tenho saudades tuas. Só peço por uns segundos... lembra-te, mãe.






Comentários

  1. Que triste deve ser simplesmente "apagar". Talvez ainda mais ser "apagado". A vida passa a ser apenas o aqui e agora.
    Ainda bem que nem disso há noção. Não há passado...e o presente não passa. Não há futura porque não há história.

    Escreveste brilhantemente. Como se soubesses sentir o que se sente.
    Nesse corredor infinito, sem destino, cheio de portas fechadas deambulando à procura.

    Que te Lembres sempre!

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