Terapia egoísta

Escrever, ao contrário do que muitos pensam, não é sinónimo de autobiografia. Escrever é escrever, quer seja sobre o eu, quer seja tentar refletir o outro em nós mesmos, tentar compreender o mais profundo sentimento de um terceiro que não conhecemos.
Não escrevo porque sei, escrevo porque não sei. Não sei o que eu sinto, quanto mais o que os outros sentem. Não escrevo sobre o que me aconteceu a mim, nem sobre o que acontece aos outros. Escrevo o que extravasa de mim própria, o que não consigo conter dentro de mim.
Escrever é muito mais simples do que parece, sendo complexo. E o que mais gosto dá é quando, algures em mim, uma frase grita e pede para ser escrita, para ser relatada e registada. Quando a registo, um sentimento que não é meu começa a apoderar-se do meu pensamento e as palavras fluem sem hesitação.
Escrever é como ler, no fundo. Ler implica interiorizar a mentalidade de um terceiro que não o próprio, com o qual sofremos e sorrimos. É viajar muito além de nós e é uma tentativa constante de compreender, mas sem conseguir fazê-lo.
Fernando Pessoa materializava este pensamento nos seus infinitos heterónimos, cada um com a sua vivência e personalidade. Muitos consideravam-no louco e talvez até o fosse.... mas não deixou de ser um génio por saber explicar o que é escrever e ser poeta a tantas mentes que se questionaram acerca do "como", além de apenas lerem e sentirem. Como era possível escrever de tantas perspetivas diferentes...? 
A resposta está em nós, que, quer queiramos quer não, sempre temos demasiadas opções de reação perante o que se vai desenrolando à nossa volta. Muito poucas são as certezas que tenho e escrever surge também de todas as incertezas, sendo uma forma de dar voz às contradições que habitam a mente perturbada com que vivo.
Talvez qualquer pessoa que escreva se atreva a dizer que escrever é terapia. Sem dúvida. Eu escrevo por puro egoísmo, porque se tornou numa absoluta necessidade de registar o furacão de pensamentos que tenho. Esta é a minha terapia. 

Partilhar o que escrevo já advém de toda uma outra perspetiva: há quem admita ler como uma terapia.

Comentários

  1. Escreves porque és maior que tu própria. Não cabes dentro de ti. Transcendes-te.
    Usas a sede que os outros têm de saber para te encontrares e identificadas com cada um.
    Assim… tornaste grande e assim cresces.
    Assim vais-te conhecendo.

    Escreves porque o teu pensamento ultrapassa as coisas fúteis da vida e até essas deverão ser escritas.
    E tu sabes escrever.

    Escreves porque buscas em ti a tua mente oscilante. Existe dentro de ti uma força brutal. Não a tentes agarrar.... deixa-a ir.

    Escreves o que não consegues dizer.
    Será a tua fala muda a gritar o que transborda da tua própria vida?

    É o que for…. Nem quero saber!
    Continua a escrever. Grita. Brilha. Faz a tua terapia.

    Eu… simplesmente gosto de te ler.

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