Palco meu, palco meu

Luzes.
Som.
Cortina. Aplausos.
Ação.
Subo para o palco ao ritmo do meu coração, que ouço como nunca. Lá em cima, não vejo nada à minha frente. Ouço uma multidão, mas longe.
Nada disto é meu, agora. Estas mãos, estes cabelos, o brilho nos olhos ou o sorriso. Nem mesmo a voz me pertence. Aqui, nada de mim sou.
Esta nova pessoa fala por mim e movimenta o meu corpo mediante as suas emoções. Eu? Nada sinto. Estou desligada, por enquanto.
Saio de palco, mas apenas aguardo voltar. Ela continua a sentir por mim.
Quando volto, já tudo me é familiar, mas continuo sem nada ver além da madeira deste chão, mesmo que ela para lá olhe e para eles fale. Pergunto-me se ela saberá, mas concluo que não.
Há um silêncio. Por momentos, acordo. Alguém se esqueceu. O que fazer? Volto a ouvir o meu coração e sei que estou a errar. Deixo-me desligar novamente e ela pega no leme, sem medos.
Parecem-me tão real... ouço-a, embora não a veja, e esqueço-me que ela não existe. Estranho.

Depois do que pareceram 5 minutos: Fim.
Fade out.
Silêncio.
Cortina. Aplausos.
Volto a acordar e subo para o palco com o coração nas mãos, totalmente exposto. Agora vejo. Agora sim, vejo as cadeiras que à minha frente se estendem ocupadas com sorrisos e alguns até familiares. Pergunto-me se ela também os vê e concluo que não.
O meu coração já bate normalmente e já reconhece esta madeira debaixo de mim, à qual chama casa. Agora, não quero ir embora. Quero que ela saiba e, por momentos, quero voltar a ser ela. Reconheço agora os amigos que ela teve em palco e que eu tenho fora dele. Sorriem, também. Pergunto-me se estão a despedir-se e concluo que sim.

Quando chego a casa, mais tarde, pouso a mochila e sento-me em frente ao espelho do meu quarto. Olho para os meus olhos e tento separar-me de mim: vejo-a. Sorrio-lhe e até me atrevo a pensar-lhe algumas palavras.
Chegou ao fim. Despeço-me.
Pergunto-me se alguma vez mais a verei... concluo que sim. Sempre.

Comentários

  1. You really are a talented girl, aren't you?

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  2. “Aqui, nada de mim sou.”
    E no entanto… és tudo isso.
    Tens o poder de escolher a tua personagem.
    O teu reflexo.
    Tens um poder enorme em conseguires fugir de ti para te encontrares no palco ou numa folha rabiscada.
    Os meus aplausos incondicionais para o que fazes e tão bem sabes fazer.

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