Contadora de histórias

Que confusão.
Sinto a minha mente a correr. Com este livro à cabeceira, tenho uma ânsia de escrever palavras que temo que nem me pertençam.
Desassossego-me. Já dizia o outro.
Quero escrever sem sentido, porque isso já pouco me importa, quero apenas poder folhear o caderno preto e saber que está todo escrito, para recomeçar noutro qualquer.
Quem me dera escrever histórias, encher páginas com nomes que se reconhecessem entre capítulos, quem me dera fazer sentido em vez de ser só umas quantas páginas soltas e esquecidas numa gaveta.
Confundo-me cada vez mais...

Talvez... uma viagem de comboio? Não, muito clichê. Uma casa no campo? Com certeza que já foi feito. Uma bicicleta. Sim. Uma bicicleta com uma fita vermelha, que a avó lhe deu, a avó contadora de histórias que um dia se sentou na sombra do chorão e o viu a subir a colina com olhos húmidos. Um dia contou-lhe que a maior parte destas narrativas antes eram aperfeiçoadas pela mão do avô, mas que agora ela tentava o melhor que podia.
Ele provavelmente anda sempre de guitarra ao ombro e caderno na algibeira, para escrevinhar as rimas que eu não consigo sequer imaginar, mas que ele imagina por mim. Costuma fazê-lo à luz do luar, que entra pela janela do sótão. Não, mentira. Costuma fazê-lo à luz do candeeiro, mas escreve sobre ver o sol e sobre o luar, sem sequer saber como é. A única coisa que ele realmente vê são as estrelas, que lhe iluminam o pensamento... mas sobre elas não escreve.
Às vezes chateia-se com a avó e irrita-se com o mundo inteiro. Fecha-se no quarto e não, não toca nem se torna poeta, simplesmente senta-se no chão, encostado à cama, e fala com Alguém. Nem ele sabe com quem fala, mas também não procura saber.
E depois? Sei lá... o nome da avó narradora? O nome da terra e a escola onde anda, no que acredita e em quem procura refúgio? Do que é que gosta e porque é que outros gostam dele, ou não? Provavelmente ia estar sempre sozinho, porque a minha imaginação só o abrange a ele e nem inclui o seu nome. 
Tenho pena dele. 
Apago-o.

Que cansaço de tentar imaginar como seria ser capaz de imaginar... não consigo mais. Mas bem, a tinta da caneta está quase no fim, já é hora de mudar. E, feitas as contas, nada disto interessa.

Comentários

  1. Anónimo 04 de janeiro de 2019

    “…quem me dera fazer sentido em vez de ser só umas quantas páginas soltas e esquecidas numa gaveta.”

    Mas no teu “desentido” fazes todo o sentido. Pois a tua mente é mais rápida que tu e é livre. Tu tentas e queres dar-lhe sentido, mas na verdade estás a borrifar-te! Deixa-a. Não a prendas porque realmente “nada disto interessa”. Acho que isso é o que torna a tua escrita apaixonante.

    Às vezes é preciso ler e ler e voltar a ler! Depois, há que soltar a mente… e então tudo se torna confusamente claro.

    Talvez um dia todas estas páginas soltas que escreves tenham todo o sentido. Mais não seja para veres a tua própria evolução, as oscilações da tua mente, como pessoa, como escritora, como sonhadora.

    Um dia essas “páginas soltas e esquecidas numa gaveta” irão enchê-la, ou até o armário todo.

    Um dia terás um livro com o teu nome.

    Até lá…. Escreve!

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