Na minha terra há um chorão

Na minha terra há um chorão, desde que me lembro que lá está (nunca vivi sem ele, mas ele já viveu sem mim).
Sempre achei que era uma árvore bonita, o chorão. Fazia-me lembrar tudo menos tristeza a sua sombra. Fazia-me sorrir. Já deve ter uns bons anos, porque tem os ramos quase a tocar no chão, de tão longos que são, quase que parece um pequeno abrigo para quem se atrever a sentir (ou então para quem ele deixar entrar).
Estava ao lado de uma outra árvore, que entretanto parece ter desaparecido. Nunca soube exatamente o que lhe aconteceu.
Um dia passei por lá a caminho da mercearia e reparei que duas pequenas raízes se instalavam sob a sombra do chorão. Achei bonito, na altura. Fui vendo-as crescer, sem saber se eram mais parecidas ao chorão ou a outra árvore.
Costumava ler encostada ao tronco, quando elas não se mexiam demasiado com o vento. Pensava até na vida que podia ter tido, se tivesse tentado.
Passaram muitos anos desde a última vez que lá estive, por alguma preguiça, mas também porque a estrada assim o quis; hoje vou lá voltar. Estou no carro e a única coisa que consigo pensar é em como nenhuma destas paisagens verdes me diz nada. Mal posso esperar por chegar.
Estamos no final do outono e já estou a imaginar que tenha estado a chover por lá. Deve-se ter instalado o frio destes próximos meses.
Nem paro em casa, vou diretamente ao meu cantinho, secretamente desejando quase em voz alta que ninguém mais o tenha descoberto. Quando chego, não ouço nada além das minhas botas no chão húmido.
Ao princípio, quase nem o reconheço: quase sem folhas, as únicas que tinha estavam pintadas de castanho-triste. Senti-me sozinha e magoou-me não ter vindo cá tanto tempo. Tolamente, peço desculpa ao chorão. Mas que mariquice.
Quando me vou a sentar, reparo que tenho três troncos entre os quais escolher. Com que então as pequenas raízes cresceram! Afasto-me para as ver melhor e sorrio sem vergonhas com o que vejo.
Na minha terra, abraçam-se três chorões.

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